segunda-feira, 16 de abril de 2007

Como se Faz gente que faz?

Lendo um antigo artigo de David Cohen de uma Revista Exame de 2000, acreditei ser um tema extremamente interessante para compartilhar aqui. O nome do artigo era "Como se Faz gente que faz?". Nele, David Cohen discorre acerca da necessidade de formar empreendedores como forma de alavancar o desenvolvimento do país, assim, ele traz vários exemplos, principalmente de um dos maiores pólos de referência em Ensino de Empreendedorismo no Mundo, a Babson College, de Boston, EUA (http://www.babson.edu/).

Ele começa o artigo reproduzindo a pergunta de um Professor: "Vocês sabem o que é felicidade?", diz o Professor a uma turma de 40 empresários, altos executivos e acadêmicos no colégio de Babson, a linda faculdade de negócios na periferia de Boston, conhecida como o maior centro de ensino de empreendedorismo do mundo, a qual me referi anteriormente. Os alunos, gente como Richard Teerlink, ex-presidente da Harley-Davidson, respondem em coro: "Felicidade é um fluxo de caixa positivo!"
Cohen discorre a respeito de como se ensina empreendedorismo, algo aparentemente impossível e extremamente polêmico. Ele fala que a turma acima estava assistindo a um seminário de cinco dias para formar professores de empreendedorismo, que vão dar aulas em faculdades dos Estados Unidos, da Europa, da Ásia e da América Latina. Boa parte é de gente que já ficou rica e agora quer passar sua experiência para a frente. Eles querem saber a melhor maneira de ensinar. Mas ensinar a empreender?!?? Para quê?

Segundo Cohen, "Há poucas dúvidas, hoje, de que uma sociedade com mercado livre é capaz de produzir mais riqueza. Mas há uma condição primordial para que isso aconteça, uma característica sem a qual o mercado mais livre pode se tornar o menos aproveitado de todos: gente. Sem pessoas capazes de criar e aproveitar oportunidades, melhorar processos e inventar negócios, de pouco adiantaria ter o mercado mais livre do mundo". Pois é aí que Cohen diz que está o "pulo do gato". Na necessidade de espírito empreendedor - leia-se vontade e aptidão para realizar algo, deixar sua marca, fazer diferença. Pouco mais de 20 anos atrás, acreditava-se que as empresas com menos de 100 funcionários eram irrelevantes para analisar a economia de um país. Hoje, o consenso é outro. Nos Estados Unidos, a economia mais forte do planeta, estudos recentes mostraram que 81,5% dos empregos surgidos entre 1969 e 1976 nasceram nas novas companhias. Desde 1980, elas criaram 34 milhões de empregos, enquanto as 500 maiores empresas da lista da revista Fortune fechavam 5 milhões de vagas. No Brasil, as micro e pequenas empresas respondem por mais de 43% dos empregos. Somando as empresas médias (menos de 100 empregados, nos setores de comércio e serviços, ou menos de 500, na indústria), a taxa sobe para quase 60% dos empregos formais, de acordo com dados do IBGE de 1994. Isso sem contar o mercado informal, estimado em até 50% da economia brasileira. Esses dados são um pouco antigos, mas uma recente pesquisa em cima de dados de 2001 a 2005 das 500 Melhores & Maiores da Revista EXAME, a qual eu e alguns colegas de Mestrado aqui da UFSM enviamos para um congresso, mostra que é crescente a representatividade das pequenas empresas na economia brasileira.

Segundo Cohen, não são só os empregos, pois as diferenças no nível de atividade empreendedora podem ser responsáveis por um terço da variação do crescimento econômico de um país, segundo um estudo feito em dez países pelo Global Entrepreneurship Monitor, um grupo de pesquisa formado pelo Babson College e pela London Business School. Mais: estudos da Fundação Nacional de Ciências e do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, nas décadas de 80 e 90, concluíram que metade de todas as inovações e 95% das inovações radicais no mundo dos negócios desde o fim da Segunda Guerra Mundial vieram das pequenas empresas. Pequenas empresas essas que devido a seu potencial, muitas vezes, tornam-se grandes. Na década de 60, a lista das 500 maiores empresas americanas da Fortune tinha menos de dez substituições a cada ano. No final dos anos 80, o número de novatas triplicou. Atualmente, o clube das 500 vem trocando um terço dos seus sócios a cada três ou quatro anos. Exemplo disso são empresas como Google e Ebay, movidas 100% a inovação.

Cohen discorre que talvez ainda mais importante do que isso, o espírito empreendedor pode promover de forma democrática a mobilidade social: "Por ser centrado em oportunidades, o espírito empreendedor não dá a mínima para religião, cor de pele, sexo, naturalidade ou outras diferenças, e permite que as pessoas busquem e realizem seus sonhos", diz Jeffry Timmons, professor de empreendedorismo do Babson College. Isso é mais forte nos Estados Unidos, onde não por acaso o espírito empreendedor é o mais alto do mundo: quatro quintos das pessoas mais ricas do país, segundo a revista Forbes, eram originários de famílias de classe média. Na década de 80, a taxa de novos ricos era de 40%. (Este é um dos indícios, segundo Timmons, de que os Estados Unidos estão vivendo uma "revolução empreendedora, cujos efeitos serão maiores que os da revolução industrial".)

Em resumo: o espírito empreendedor é um dos fatores essenciais para aumentar a riqueza do país e melhorar as condições de vida de seus cidadãos. Essa afirmação leva imediatamente a duas questões. A primeira: o que é espírito empreendedor? E a segunda: é possível ensinar uma pessoa a se tornar empreendedora? Para clarear isso Cohen evidencia que quem de forma mais clara definiu a figura do empreendedor e sua importância para a economia capitalista foi o economista austríaco Joseph Schumpeter. No livro Capitalismo, Socialismo e Democracia, escrito em 1942, Schumpeter define a função do empreendedor como a de "reformar ou revolucionar o padrão de produção pela exploração de um invento, ou, mais geralmente, de uma possibilidade tecnológica não testada, para produzir um novo bem ou produzir um velho bem de uma nova forma".

Espírito empreendedor, portanto, não é simplesmente a coragem de abrir um negócio. Ele está intimamente ligado à inovação, ao crescimento, à exploração de uma brecha que ninguém mais viu. É isso que amplia as possibilidades de uma economia. Como dito anteriormente, isso fica muito evidente em casos como o das empresas.

A maior parte das empresas não se encaixa na definição de espírito empreendedor de Schumpeter. Segundo dados do SEBRAE e do próprio GEM, no Brasil prepondera o empreendedorismo por necessidade. Isso leva a grandes fracassos nas iniciativas empreendedoras, principalmente questões relativas à falência.

Então Cohen diz que "Se as possibilidades de fracasso são tão grandes, é justo incentivar as pessoas a correr esse risco? Não, se abrir empresas for o equivalente financeiro a dar um salto no escuro. Sim, se uma cultura empreendedora ajudar a avaliar e a minimizar os riscos, se os fracassos puderem ser encarados como uma etapa no processo de aprendizado".

É a esse processo que se refere o espírito empreendedor, algo bem diferente do espírito de aventura. Num passado recente, acreditava-se que o espírito empreendedor era uma função da personalidade, dependia mais que tudo do perfil psicológico. Schumpeter dizia que as características do empreendedor, essa capacidade de desafiar o que está estabelecido, estão presentes apenas numa pequena parcela da população.

Entretanto, segundo Cohen isso até pode ser parcialmente verdade. Porém, hoje há muito mais gente propensa a ter negócio próprio, diz Ofélia Torres, professora de empreendedorismo da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo. "Primeiro, porque as empresas são menos estáveis; em segundo lugar, porque há muito mais estresse hoje nos cargos executivos, o que mina a atratividade da carreira como empregado; e, no caso brasileiro, porque há muita atração pela criatividade", diz Ofélia.

Isso quer dizer que a disposição para empreender pode ser substancialmente alterada pelo meio ambiente. Mas essa disposição, embora essencial, não é suficiente para a formação do espírito empreendedor, tal como é encarado hoje: uma forma de ver o mundo, aliada a um conjunto de técnicas e conhecimentos, que permite enxergar oportunidades e atuar de forma a obter resultados.

Para Cohen, isso leva à segunda questão. É possível ensinar alguém a ser empreendedor? Uma das maneiras de responder a essa pergunta é com outra pergunta, formulada pelo consultor Fernando Dolabela: "É possível ensinar alguém a ser empregado?" Dolabela é autor do livro Oficina do Empreendedor (editora Cultura) e criador de um método de ensino de empreendedorismo já utilizado em mais de 200 estabelecimentos de ensino, incluindo departamentos de informática e administração de universidades de ponta, como a UFMG e a FGV paulista.

Dolabela explica os descaminhos do ensino com um exemplo caseiro. Numa reunião na escola de sua filha Fernanda, de 4 anos, a professora exibiu orgulhosa o progresso da menina, mostrando que em seis meses ela aprendera a fazer seus desenhos sem ultrapassar as linhas que delimitam o espaço para desenho. "Daqui a 20 anos, vou ter de gastar uns 30 000 dólares num MBA para ela reaprender a ultrapassar as linhas que limitam seu espaço", diz Dolabela. É basicamente isso que se faz no Babson College. Idéias como essa de Dolabela se assemelham as de Henry Mintzberg, da McGill University, Canadá.

As lições de Babson

Mas de onde surgiu essa Universidade da qual Cohen se refere no início do artigo? Segundo o autor, Roger Babson foi um consultor e financista americano que ficou famoso por ter previsto a quebra da bolsa de 1929. Não ficou apenas famoso, ficou rico. Riquíssimo. Tanto que, querendo enviar seus filhos para uma escola de negócios e não gostando de nenhuma, resolveu criar a sua. Foi assim que nasceu o Babson College, na Nova Inglaterra, região que é hoje o segundo pólo de desenvolvimento da Nova Economia nos Estados Unidos, atrás apenas da região do Vale do Silício, na Califórnia, berço de empresas como Google, HP e muitos outros ícones do capitalismo da Era da Internet.

Porém, Cohen faz ressalvas, dizendo que é claro que, nesse tempo todo, a escola mudou um pouquinho. Durante muitos anos, ela foi vista como um reduto da aristocracia corporativa: num de seus cursos, por exemplo, os estudantes costumavam levar suas secretárias para a sala de aula para treinar ditados de executivo. Atualmente, em vez da imagem de aristocrático, o Babson College é reconhecido como o principal pólo do ensino de empreendedorismo nos Estados Unidos e no mundo.

Desde que a revista US News & World Report instituiu a lista de melhores faculdades de negócios do país, há sete anos, o Babson College sempre aparece como a melhor instituição para formação de empreendedores. É também o primeiro colocado no ranking de ensino de empreendedorismo da Business Week, à frente de centros de excelência como Wharton, Harvard e Stanford. Foi nesse nicho que a faculdade apostou há mais de um quarto de século.Pois a aposta se pagou: a formação de empreendedores virou uma febre nos Estados Unidos. No ano passado, mais de 1 100 faculdades americanas ofereceram cursos de empreendedorismo e isso parece querer se reproduzir em escala semelhante no Brasil. Em mais de 30 Estados do país, cursos desse tipo vêm sendo oferecidos para crianças e adolescentes, e oito deles já aprovaram legislação requerendo que as escolas de ensino primário e secundário incluam essa matéria em seu currículo, idéia essa que poderia ser "copiada" por nós brasileiros. Até a Escola de Negócios da tradicionalíssima Universidade Harvard, que fica a 40 minutos de carro de Babson, está reorganizando seu currículo de MBA para apostar na formação de empreendedores: a cadeira de Administração Geral, carro-chefe da escola, foi substituída este ano por uma que se chama O Administrador Empresarial. (A mudança de Harvard é provocada pelos novos tempos: no ano passado, mais de um quarto das cadeiras optativas escolhidas pelos alunos eram do Departamento de Empreendedorismo, que nos anos 80 oferecia apenas duas matérias.)

Para indagar os leitores acerca de uma polêmica questão, Cohen pergunta? "Mas esse ensino funciona?" Pois então o autor diz que ícones como Bill Gates (Microsoft), Steve Jobs da Apple e a dupla Sergei Brin e Larry Page do Google, não cursaram MBA. Ao contrário, o primeiro largou a faculdade para fundar a Microsoft, o segundo largou a graduação em Stanford e a dupla do Google não finalizou o Doutorado em Stanford.

Cohen diz ainda que Jeffry Timmons, responsável pelo programa Price-Babson de formação de professores de empreendedorismo, tem uma resposta na ponta da língua: "Se você está me perguntando se, num curso de 40 horas de aula, num semestre, eu posso transformar um aluno médio no equivalente corporativo a um Picasso ou um Beethoven, acho que nós dois sabemos a resposta".

Aí vem uma pergunta bastante lógica? O que aprendem, então, os 3 500 alunos de Babson? "Não estamos tentando ensinar a melhor maneira de fazer negócios, e sim as melhores maneiras", diz Les Charm, professor e consultor especializado em finanças. "Você pode trazer os alunos até a fonte. Você não pode obrigar ninguém a beber, mas pode mostrar a fonte", diz Leonard Green, outro professor de Babson. Ou, na definição de Julian Lange, também professor, especializado em Internet: "Empreendedores são oportunistas. É possível ensinar isso? Sim. A paixão por um produto ou serviço não se ensina, mas podemos ajudar a descobri-la. E podemos ensinar como os elementos de um negócio - recursos, equipes e oportunidades - interagem e mudam".

A Babson College não formou Bill Gates, tampouco Steve Jobs ou a dupla Brin e Page do Google, mas ajudou a forjar dezenas de grandes empreendedores. Como Bob Davis, da turma de 1985, fundador do Lycos, um portal que outrora esteve junto ao Terra, do grupo espanhol Telefónica. Ou como Arthur Blank, presidente da Home Depot, uma cadeia de lojas de produtos para casa do tipo monte-você-mesmo, que faturou 38 bilhões de dólares em 1999 e há seis anos é eleita pela revista Fortune como a empresa de varejo mais admirada nos Estados Unidos. Ou, ainda, como Gordon Hoffstein, presidente da Be Free, uma empresa que fornece serviços de marketing pela Internet. A Be Free é a oitava companhia que Hoffstein ajuda a formar. Antes, presidiu empresas que sob sua direção faturaram de 300 a 525 milhões de dólares (e algumas que faliram, também).

"Em Babson, aprendi um método de encarar a realidade para tirar vantagem de oportunidades de negócios e resolver problemas. Esse método ajuda a ver um negócio em sua totalidade, não apenas a partir de uma disciplina", disse Hoffstein em entrevista a Cohen. Já Michael Smith, presidente da Hughes Electronics, costuma citar o curso de criatividade, "principalmente porque ensina você a ser mais aberto para as idéias de outras pessoas". Segundo o casal de estudantes brasileiros Daniel Cifu e Eloisa Wolter, Babson "ensina um estilo diferente de pensar, baseado em idéias, equipes e formulação do negócio, sempre com foco em avaliar oportunidades e verificar se elas têm chances no mercado".

Podemos então dizer que a Babson é uma fábrica de empreendedores? É só cursá-la para virar um bem-sucedido homem ou mulher de negócios? A resposta novamente é lógica. Não pode-se afirmar algo tão forte para uma atitude que envolve "n" variáveis altamente complexas. As estatísticas da Babson mostram que apenas 15% de seus alunos abrem empresas. Isso num momento em que os Estados Unidos vivem a tal da "revolução dos empreendedores", na definição de Timmons. Há cinco anos, a taxa de alunos que abriam negócios era de 7%. Mesmo esse índice de empreendedores já é extremamente positivo. Mas há outros 25% a 30% de alunos que vão trabalhar em empresas novas, segundo Stephen Spinelli, professor de estudos de empreendedorismo. "A maioria dos alunos de Babson vai trabalhar em grandes empresas porque sente que precisa de mais experiência ou porque, tendo pago a faculdade, precisa juntar dinheiro antes de tentar montar sua própria empresa", diz Spinelli.

Também há um outro desenvolvimento do espírito empreendedor no mundo corporativo: o empreendedorismo corporativo, aquele realizado internamente a outras corporações que não são de propriedade dos executivos. Sobre essa tema, temos um livro interessante do Eduardo Bom Ângelo, Presidente da BrasilPrev Seguros e Previdência S.A e Professor de Empreendedorismo do IBMEC. Mesmo as maiores companhias do mundo estão hoje olhando as pequenas empresas inovadoras como o ideal de comportamento. Por isso, profissionais empreendedores internamente (intrapreneurs, em inglês) têm sido valorizados, especialmente para liderar divisões ou departamentos.

Corrobora com isso o que disse John Altman na reportagem, professor de empreendedorismo nas corporações ele falou o seguinte: "Quando Babson me tirou da aposentadoria, a última coisa que eu queria era transformar os dinossauros burocratas em empreendedores. Porque sempre fui ligado a empresas novas. Mas as grandes companhias são as que mais precisam de empreendedorismo. Elas têm de se transformar em empreendedoras para atrair algo ainda mais importante do que os clientes: os jovens que vão liderar a companhia no futuro". Ou seja, os talentos que garantirão a sobrevivência ou não da organização.

Portanto, não é nada à toa que Babson mantém-se como centro de formação de empreendedores. Por apostar nesse nicho mais do que qualquer faculdade, atrai muitos empresários e consultores, que formam a quase totalidade de seus professores. Vários ficaram ricos por volta dos 40, 50 anos, e decidiram passar à vida acadêmica (como disse um dos empresários: "Eu tentei a aposentadoria e falhei"). Um dos professores de Babson doa todo o salário para a própria faculdade. Uma equipe assim tem três vantagens: a visão prática de quem já fez funcionar empresas, a facilidade de trazer convidados para expor casos (assim como em Harvard, todo o curso é baseado no estudo de casos) e a rede de conhecimentos.

Por fim, Cohen deixa claro que esse modelo não se reproduz com facilidade, mas algumas características do ensino de Babson, explicadas durante um curso de cinco dias de formação de professores-empreendedores, podem jogar luz sobre trilhas a ser seguidas por quem queira dinamizar seu trabalho ou abrir um negócio. Sobre tais características estarei falando no artigo de amanhã. Entretanto, antes disso, gostaria de deixar uma pergunta: Podemos potencializar o empreendedorismo, disseminando-o através de disciplinas específicas em nossos cursos de graduação?

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